sexta-feira, 5 de outubro de 2007

Dia Mundial sem carro - Terceira e última etapa (As bicicletas de Paris)


Falei, nos dois últimos posts, a respeito das dificuldades de se usar a bicicleta como meio de transporte em São Paulo. Na data estabelecida oficialmente como dia mundial sem carro (22 de setembro), fui da rua Arthur de Azevedo até a USP, num percurso de quatro quilômetros. Menos de uma semana depois, arrisquei (literalmente) uma ida ao trabalho, encararando dificuldades como a falta de uma estrutura mínima nas ruas para se pedalar, a poluição, as reclamações dos motoristas e, em certa medida, o preconceito das pessoas. São Paulo é uma cidade feita pra carro, não pra gente.

Pois bem, em alguns países, principalmente na Europa, o uso da bike como meio de transporte é algo comum - isso não é novidade; quem, diferente deste escriba, já esteve por lá deve saber. O que é novidade é que em alguns locais, o aluguel de bicicletas para uso urbano está se tornando um bom negócio, um business. A JCDecaux, uma companhia francesa especializada em mídia externa (mídia externa significa aqueles anúncios que havia nos pontos de ônibus, em SP, antes da Lei Cidade Limpa), está investindo US$ 115 milhões num sistema de aluguel de bikes em Paris, num modelo de negócios parecido com o que já foi adotado pela mesma empresa em Lion, a terceira maior cidade da França.

Segundo uma reportagem do jornal americano Washington Post, esse dinheiro será usado na compra de 20,6 mil bicicletas, construção de 1,5 mil estacionamentos e contratação de 285 funcionários para gerenciar o projeto. Funcionará assim: a pessoa poderá alugar a bicicleta num dos estacionamentos, pedalar o tempo que quiser e, depois, devolve-la. Simples.

A idéia de se criar um sistema que permita às pessoas terem acesso a bibicletas quando quiserem, para, por exemplo, ir ao trabalho ou ao supermercado, e depois devolverem, não é nova. Em Amsterdan, na Holanda, na década de 1960, um grupo de anarquistas já havia criado algo mais ou menos parecido, o White Bike Plan - algo como Plano das Bicicletas Brancas, já que as bikes eram, todas, pintadas de branco. Embora tivesse a melhor das intenções, a proposta - movida pelo espírito ripongo-altruísta predominante na época - não foi prá frente. Aparentemente não passou pela cabeça dos idealizadores que as pessoas simplesmente poderiam não devolver as bicicletas.


Agora, em tempos de capitalismo nada altruísta, a idéia volta à cena, repaginada e com um indisfarçado intuito de se ganhar dinheiro - o que, afinal, não deixa de ser uma boa notícia. Com o dinheiro entrando em cena, é provável que haja, agora sim, uma precocupação com a manutenção e a devolução das bikes.


Para evitar que algum espertinho, ao alugar uma bicicleta, resolva se 'esquecer' de devolve-la, a JCDecaux exige, no ato do aluguel, documento de identidade mais um depósito de US$ 195 - isso em Lion, onde o sistema já foi implantado. Para desestimular os usuários a ficarem por períodos prolongados com as bikes - o que, por sua vez, pode levar a esses 'esquecimentos' deliberados - foi criado um sistema de tarifas progressivas; quem fica mais tempo com a bicicleta paga, proporcionalmente, mais. A primeira hora de aluguel custa US$ 1,30; a segunda, US$ 2,60 - para que fique mais claro, se ficar durante uma hora com a bike, o usuário pagará, ao todo, US$ 3,90. Os interessados também, podem, em vez de pagar pelo aluguel cada vez que usam o sistema, adquirir um pacote anual, por US$ 19, não incluídas tarifas extras caso excedam um determinado tempo de uso.


Em Lion, pouco depois do lançamento, o sistema já contabilizava 20 mil pacotes comercializados - atualmente, são cerca de 60 mil 'assinantes'. Aproximadamente 17 mil aluguéis são realizados todos os dias. O sistema deu tão certo que, quando a prefeitura de Paris resolveu adotar um programa parecido, outra companhia do setor de mídia exterior, a americana Clear Chanel Outdor também se candidatou a oferecer o serviço - sinal de que, aparentemente, o negócio é bom.

Se tudo sair como o planejado Paris deverá se tornar uma cidade mais huumana. Menos poluída, menos barulhenta e menos congestionada.


O colunista especializado em bikes Matt Seaton, do jornal britânico The Guardian (um dos mais respeitados do mundo) descreve a proposta num artigo com algum entusiasmo. Mas, no final, se mostra cético: "Invariavelmente recebidos com grande entusiasmo, esses esquemas sempre 'se demancham' quando são postos em prática. As bicicletas são pesadas e de má qualidade, a manutenção é mal feita e, no final, são vandalizadas ou roubadas. O risco é de que essas políticas 'visionárias' terminem criando gigantescos elefantes brancos. A questão ainda não respondida é se é mesmo verdade que as pessoas ainda não pedalam porque não possuem biciletas." Só daqui a alguns anos se poderá, afinal, dizer se Matt estava certo. O fato é que é, independentemente dos resultados, já há, em outros países uma preocupação - e, mais que isso, há ações - para se adotar as bicicletas como instrumento para a melhoria da qualidade de vida. Que pena que Matt não conhece São Paulo.


Os links para as matérias do Washington Post e do The Guardian a respeito do assunto são:


http://www.washingtonpost.com/wp-dyn/content/article/2007/03/23/AR2007032301753_pf.html


http://www.guardian.co.uk/environment/2007/mar/15/g2.ethicalliving