terça-feira, 20 de agosto de 2013

20 de agosto

Li outro dia no blog do Felipe Machado que a gente escolhe uma determinada idade e fica com ela. Seria essa a explicação para a expressão “não me sinto com 50 ou 60 anos”.  Mas, por mais que demorem pra aparecer, um hora os sinais ficam visíveis e, por mais que a cabeça não se dê conta, o corpo nos faz cair na real. Foi assim que dia desses, olhando no espelho, percebi que pela primeira vez conseguia enxergar minha calvície de frente, olhando na horizontal. Até então a ‘careca piscina’ (apelido dado para aquele estado em que a cabeça está cheia, mas o fundo é visível) só ficava aparente quando vista de cima, em alguma filmagem ou no cabeleireiro, quando o sujeito mostra como ficou a obra por todos os ângulos.



Mas naquele dia o espelho foi implacável, jogando na minha cara - ou na minha careca - a prova cabal da inexorável passagem do tempo. Se é verdade que a gente escolhe a idade, minha cabeça deve ter parado lá pelos 20 e poucos. É assim que me sinto. Mas hoje chego aos 38 anos.

O tempo passa e, de um dia pro outro, você faz 30 anos e vira um adulto, quase sempre diferente do que você imaginava ser. Um dia em 1985 uma professora me pediu para escrever como eu estaria no ano 2000 e eu previ que teria dois filhos e seria físico igual meu pai.  Algum ajuste nessa cápsula do tempo deu errado e tudo saiu diferente: fiz faculdade de Direito, fui parar quase que por acidente na de Jornalismo e, por conta de uma série de pequenos episódios em que as coisas precisariam de muito pouco pra mudar de rumo (e se tal detalhe fosse diferente?), me tornei repórter de um dos maiores jornais desse País, experiência que, por sua vez, gerou uma sequencia de eventos que definiu tudo o que aconteceu até hoje em minha vida profissional. 

Alguns amigos já me disseram que fiz coisas que mudariam suas vidas, como saltar de paraquedas, escalar uma montanha, correr uma maratona ou fazer uma tatuagem. Esse feitos se prestam a uma infinidade de metáforas sobre riscos, conquistas e perseverança. Mas confesso que nenhum deles mudou minha vida. Simplesmente fiz e continuarei fazendo porque é o que me faz sentir vivo. Gosto de me sentir pequeno diante da imensidão das montanhas e dos lagos; do frio na espinha diante de um abismo e de imaginar que quilômetros esperam ser percorridos de bike, a pé ou correndo.

Há alguns anos, prometi pra mim mesmo que não casaria. Estava feliz sendo solteiro e pronto. Mas havia um Pico dos Marins no meu caminho e lá, conheci uma garota que também já tinha escalado montanhas (mais altas que as que eu escalei), saltado de paraquedas e que faria uma tatuagem um mês depois de eu ter feito a minha. Casei com 37 anos. Isso, sim, mudou minha vida.

Nesta idade, não sabemos o que a vida ainda nos reserva, mas os não-caminhos, esses já estão bem claros, escreveu um amigo. Aos 38 anos, sei que não vou ser astro do rock, ídolo do futebol ou piloto de caça. Também já sei que não serei físico, como seu Dirceu.

As coisas dificilmente saem como planejamos, mas se tem algo que aprendi é não brigar com a passagem do tempo e com as surpresas que a vida nos reserva. Se eu fosse físico e tivesse dois filhos como previ no hoje distante ano de 1985, talvez não tivesse tempo nem interesse de escrever este blog. 

quinta-feira, 1 de agosto de 2013

Freezing running

São 5h40 da manhã. Lá do banheiro, o celular começa a gritar. Ainda atordoado pelo sono, levanto, cruzo o corredor e, antes que a Rê acorde com a barulheira, trato de desliga-lo. Faz parte da estratégia deixar o celular-despertador bem longe do alcance. A esta hora e com este frio, deixa-lo ao lado da cama significaria abortar a missão. Resignado, acendo as luzes do apê e preparo um café bem forte.

Levantar pra correr nessas circunstâncias não deve ser, nem para o mais disciplinado dos atletas, algo agradável; praguejo contra mim mesmo, amaldiçoando o momento em que me inscrevi pra correr a meia maratona do Rio e, uma semana depois, o Haka Race. Isso implicará achar uma brecha na agenda pra treinar, nem que seja de madrugada. Passo pela portaria do prédio antes de o sol nascer e o porteiro informa que a temperatura é de 10 graus.

Vou andando em direção ao Parque da Água Branca pela avenida que, já naquele horário, começa a ficar movimentada, com gente indo pro trabalho encapotada com blusas, cachecóis e tudo mais. Muitos fumantes.Se pra mim, madrugar naquele frio é quase facultativo, pra eles é obrigatório. “O que eu tenho na cabeça, se poderia estar numa boa dormindo?”, me pergunto mentalmente.


Uma névoa congelante envolve as árvores do parque. As primeiras passadas saem meio travadas pelo frio, e minha espiração sai como fumaça por causa do frio. E, como se estivesse condicionado por já ter feito aquele tipo de treino uma centena de vezes, inicio a corrida no percurso de sempre: uma reta longa ao lado das baias da exposição, com a Matarazzo à direta, uma subida suave ao lado da entrada da rua Germaine Burchard, seguida por uma subida mais forte. Na sequencia, uma reta plana, paralela à rua Turiaçú, na “parte alta” do parque, pra, finalmente, pegar a descida que ladeia um bosque com arvores nativas da Mata Atlântica e que termina na entrada principal do parque. O percurso todo dá uns 1.300 metros. Relativamente curto pra quem corre, mas com muitas árvores e trilhas estreitas. O ambiente me faz esquecer de que se estou quase no centro de São Paulo. A enorme quantidade de galinhas – e galos, que, ao nascer do dia, duelam pela supremacia daquele terreiro gigante – completam o clima bucólico do lugar.




A esta altura, suado pela corrida, já tirei o gorro de lã e a blusa de fleece com que comecei o treino; como se costuma dizer, correr esquenta de dentro pra fora.

Por fim, termino minhas três voltas (seriam quatro) constatando que ainda falta muito pra eu chegar na minha melhor forma física. Alongo um pouco e volto pra casa. Neste momento o dia já nasceu e o movimento na rua aumentou consideravelmente.

Volto meio decepcionado por sentir que ainda tenho de melhorar bastante e que me restam somente duas semanas até o dia da meia maratona. Mas a corrida me dá um ânimo pra encarar o dia que dificilmente teria se ficasse enfurnado entre os cobertores.

O tempo que se gasta correndo nunca é perdido. Fica uma sensação de que, por alguns instantes, não se está em São Paulo, mas numa trilha nos Alpes ou na Serra da Mantinheira, selvagem e silenciosa. Há algo de mágico em correr nas madrugadas frias.