sexta-feira, 28 de março de 2008

Arborismo, finalmente

Último texto de minha participação na Haka Race.

Chegamos ao PC 08, o arborismo. Missão, que, dadas as precárias condições físicas de meu colega, caberá a mim. Já paramentado com o kit de escalada, olho para as pequenas fendas na parede artificial, impossíveis de se agarrar e mais impossíveis ainda de se apoiar os pés. Desanimo. “Ricardo, você vai ter de ir no meu lugar, velho. Eu não vou conseguir...” A resposta: “Você não ta vendo o jeito que eu tô? Larga de ser bundão e vai...”. Fui. Com a ajuda do instrutor, lá embaixo, passo por mais essa numa boa, atravesso uma ponte entre duas árvores e desço por uma pequena corda tirolesa. Missão cumprida. Passamos, juntos, o pórtico de entrada – ali transformado em chegada. Nos abraçamos como dois jogadores que comemoram um gol. Nada de dança para demonstrar força ou invocação aos deuses da guerra. Entre uma subida íngreme, um sol de 28 graus e o esforço pra se manter na estrada, driblando as câimbras e o cansaço, o que vale nessa dança é espantar os próprios demônios, seguir em frente e festejar a camaradagem.

quarta-feira, 26 de março de 2008

Haka Race Terceira Etapa - Sol de 28 graus

Prezados dois ponto três. Seguimos com a penúltima etapa de meu calvário na Haka Race. Enquanto vocês perdem seu tempo com isso, penso em algo mais produtivo pra postar nos próximos dias.

Iniciamos a ‘perna’ mais longa de bike, que nos levaria até o PC 07 (pela planilha, apenas ‘cruzamento’), passando, antes, por uma ponte de concreto (PC 05, já na área urbana de São Roque) e pelo cemitério do Cambará (PC 06). Seguimos num comboio de três equipes. Aos poucos, o tempo chuvoso dá lugar a um sol forte e a temperatura sobe.

O trecho mais difícil, entre o cemitério e o cruzamento, é uma longa subida em estrada de terra – mais de um quilômetro, calculo – ladeada à nossa esquerda por um enorme muro de concreto. Nessa etapa, seguimos da única forma possível: empurrando morro acima nossas magrelas. Naquelas circunstâncias, aliás, o termo ‘magrela’ não poderia ser mais inadequado. Pressupõe algo leve, esbelto. Mas convenhamos: não há nesse mundo balança de precisão que me convença de que naquela ladeira enorme e debaixo de um sol de 40 graus, minha ‘magrela’ pesasse apenas 13 quilos, como já havia verificado várias vezes numa balança em casa e em lojas especializadas.

Ali, diante das forças da natureza, pesava 80 quilinhos, no mínimo. E dá lhe sol! Nos arrastávamos por cinco ou seis metros e parávamos debaixo de algum arbusto pra respirar e tomar um pouco de água. Nessas horas, dizem os iniciados, a reação de todo corredor é mais ou menos a mesma: “Putaqueopariu. Meu Deus! O que eu tô fazendo aqui? Pra que isso?”, pensava. Seguimos e alcançamos o PC 07, o tal do cruzamento. Sirlene, uma velha amiga, é quem está no comando das planilhas de registro. Ela nos estimula: “Meninos, vocês tão indo muito bem! São uma das primeiras equipes a passar por aqui”. Pura verdade.

Confiro na tabela e observo que umas 20 equipes no máximo já deixaram ali suas assinaturas. Dali até o PC 08, já de volta ao ponto de onde cinco horas antes largáramos, o pedal é tranqüilo. Cerca de um quilômetro na reta. Ricardo, maltratado por horas de câimbras, se esforça pra me acompanhar. Mas é a hora de minha vingança: “Vamos, meu, a gente tá bem na parada. Não atrasa, porra!” “Vá à merda. Você passou a prova inteira esperando por esse momento”, pestaneja.

terça-feira, 25 de março de 2008

Haka Race - Segunda etapa (Morro do Saboó)

Prezados um ponto três. Continuo, neste post, descrevendo minha 'jornada' nas corridas de aventura.

Seguimos debaixo de uma fina garoa pelo acostamento de uma estrada de asfalto. O ritmo é excelente, o trecho, bom de pedalar. Mais alguns quilômetros e abandonamos o asfalto e iniciamos a trilha. Depois de mais ou menos 10 quilômetros, chegamos no PC 02 - Chácara do Nilson, informa a planilha. Assinamos a tabela de controle e seguimos a pé para um dos trechos mais extenuantes, a subida do morro da Saboó, com mais de 1 mil metros de altitude.


À medida que o morro, antes um pequeno ponto na paisagem, vai se tornando maior à nossa frente, começamos a discutir. “Não, ele não pode ter posto o PC lá no topo. Já andamos uns nove dos 10 quilômetros de trekking que tavam previstos. O PC deve ser na metade...” “Claro que não. Você acha que o Léo não ia pôr um desafio desses? Esquece, meu! O PC é lá no pico”. Perplexos e desanimados, identificamos minúsculos pontos vermelhos – a cor da camiseta dos participantes da prova – bem próximos do pico. Inicio a subida, procurando, sempre que possível, olhar pro chão, evitando adivinhar as escarpas que se avolumam à minha frente. No trecho mais próximo do cume, me agarro a raízes e pedras para vencer as passagens mais íngremes. Chego no topo. Fosse num passeio, ficaria ali parado por uns longos minutos apreciando aquela paisagem espetacular. Mas não há tempo. Assino a tabela do PC, espero uns minutos até a chegada de meu companheiro e iniciamos a descida. Na estrada que dá acesso novamente à chácara do Nilson - a próxima transição – ganhamos tempo, substituindo a caminhada por uma corrida em ritmo leve. Por poucos minutos, apenas; logo, Ricardo começa a sentir câimbras que o acompanhariam até o final da prova. Seguidas vezes, ele corre por uns metros e, logo em seguida, pára pra se alongar, diminuindo, assim, os efeitos das contrações.

Na Chácara do Nilson, paramos para abastecer nossas mochilas de hidratação e caramanholas (garrafinhas). É hora de devorar uma barra de cereal e um tubo de gel energético. Ricardo, mais determinado, esquece das câimbras e se apronta na bike: “Vamos logo, caralho!”

quinta-feira, 20 de março de 2008

Quarenta e nove dias depois...

Caros. Aos poucos começo a entender o que se passa com cineastas, escritores, compositores e outros 'ores' que ganham a vida criando. Criar algo novo todos os dias, ininterruptamente, é foda.
Mas voltarei a esse assunto daqui a um tempo. Por enquanto, peço desculpas pelo longo período de ausência - exatos 49 dias sem um único post! - e publico, aqui, em pílulas, um pouco do que foi minha primeira experiência em corridas de aventura. Se alguém ainda acessa este mal lido espaço, que se apresente!

Ritual de Iniciação

Haka, segundo a Wikipedia, é uma dança dos povos Maori, descendentes dos polinésios que colonizaram a Nova Zelândia. Como uma espécie de ritual, antes de cada batalha, os guerreiros Maori praticam a 'war haka'. É uma forma de invocar o deus da guerra e demonstrar força e coragem diante do inimigo. Provavelmente por conta de tão nobres características, a haka tornou-se uma espécie de patrimônio nacional dos neozelandeses. É invariavelmente praticada antes de cada partida pela seleção nacional de rugby, os ‘All Blacks’, orgulho do País, assim com a seleção de futebol é para nós, brasileiros.

Essas explicações todas sequer me passavam pela cabeça naquela manhã chuvosa de sábado, 1º de março, enquanto me espremia com outros 146 guerreiros, todos modernamente paramentados com calças de lycra, mochilas e capacetes diante de um pórtico alaranjado com o logotipo da Curtlo. Era a largada da Haka Race, meu, digamos assim, ritual de iniciação nas corridas de aventura. Estávamos todos ali diante do desafio de percorrer dezenas de quilômetros a pé e de bike e de descobrir, com a ajuda de uma bússola, um mapa da década de 70, e uma boa dose de sorte, oito Postos de Controle – PCs, na linguagem das corridas de aventura.

Ricardo, meu colega de equipe, com quem eu dividiria nas próximas horas confidências, discussões e uma infinidade de câimbras, se espremia um pouco à frente. Sua estratégia era obter, das demais equipes, alguma ajuda na ingrata tarefa de decifrar o uso de mapas, planilhas e bússolas – tarefa com a qual, diga-se, não tínhamos a menor familiaridade. De minha parte, a estratégia resumia-se a seguir, passo a passo, o pelotão composto pelo maior número de competidores. Usaria essa tática nos primeiros metros, quando seguiríamos separadamente – eu correndo e Ricardo escorregando por uma pista de esqui artificial. Depois que nos encontrássemos, no primeiro PC virtual, passaria a confiar cegamente em suas pouco confiáveis habilidades de navegador.


Como nas corridas de rua, uma invisível, mas bem perceptível onda de tensão e excitação instala-se entre os competidores antes da largada. Uns pulam, outros batem palmas, outros pulam e batem palmas; outros, ainda, ajoelham-se e balbuciam palavras imperceptíveis. Léo, o organizador, passa, aos gritos, as últimas orientações. Em seguida, inicia a contagem: 5, 4, 3, 2 ,1...largamos! Ainda meio atordoado, sigo o pelotão que desceria a pé. Fosse numa corrida de rua e nesses primeiros metros, diminuiria o ritmo, guardando as energias pro final. Mas numa corrida de aventura, quando não se tem a menor noção de técnicas de orientação, mais importante, mesmo, é estar na cola de quem conhece.

Chegamos juntos ao PC virtual e aguardamos a turma que viria pela pista de esqui. Meus adversários logo reconhecem seus pares no primeiro grupo vindo da pista e seguem para o segundo PC. Ricardo leva uns 20 minutos. “Marquei na estratégia. O pessoal que desceu pelo teleférico em vez da pista se deu melhor...”, grita.
Seguimos a pé, colados num grupo de amigos – todos veteranos em corridas de aventura – pelos cerca de cinco quilômetros até o PC 01, um matagal no qual as bikes estão estacionadas à nossa espera. Aproveito a oportunidade para sorver vagarosamente um tubo de gel energético. Ricardo, mais ligado na prova, me dá o primeiro de uma série de puxões de orelha: “Porra, meu, vai logo! Transição tem de ser rápido!”