quinta-feira, 18 de abril de 2013

Boston, 15 de abril


 A maratona de Boston não é uma prova qualquer. Pra começo de conversa, é uma das mais antigas do mundo. Tem 117 anos – pra efeito de comparação, a nossa tradicionalíssima São Silvestre tem 88. Além do mais, não é, literalmente, pra qualquer um. Para estar lá, é preciso ter um tempo mínimo classificatório - diferentemente de outras maratonas célebres, como Nova York, Paris e Berlim. Para os homens de 18 a 24 anos, por exemplo, esse tempo é hoje de três horas e cinco minutos. Quem tem familiaridade com o mundo das corridas sabe que correr uma maratona em menos de quatro horas não é trivial (tanto que existe a expressão ‘fazer uma maratona sub 4’), quanto mais em três. Por isso, o mundo das corridas olha pra essa prova com um carinho especial.

Por esses e por outros tantos motivos, os atentados ocorridos na última segunda-feira chocam. Eles acertaram em cheio um esporte carregado de simbologia. A corrida é, por definição, a modalidade mais democrática que existe; por mais que sejam alardeadas as qualidades de tênis que são a última palavra em amortecimento ou de cronômetros high tech supercaros, o que vale mesmo é a dedicação. Um par de tênis simples e uma boa dose de força de vontade são o suficiente pra botar o pé na estrada. E nisso, a corrida iguala a todos. Que outro esporte faria campeões atletas vindos de do chamado ‘Chifre da África’ (como Etiópia e Eritreia), a região mais miserável do mundo? 

A maratona também fascina porque tem em seu DNA a superação. Sua origem, diz a lenda, foi a jornada do soldado grego Filípides (ou Fidípides), que correu os 40 quilômetros entre as cidades de Maratona e Atenas para noticiar a vitória dos helenos sobre os persas. Ao concluir a jornada, anunciou: “vencemos” e morreu, extenuado pelo cansaço. Imaginem as condições de correr 40 quilômetros 2.500 anos atrás. Desde então, o termo maratona passou a integrar toda expressão que envolva uma quantidade absurda de coisas pra fazer: “Assistir uma maratona de jogos”, “encarar uma maratona de reuniões”, e por aí vai. E pense na quantidade de filmes, livros e até videoclipes carregados de clichês já produzidos sobre corridas e suas histórias de superação.

Por fim, correr é um ato de celebração. Celebrar a perda de uns quilos, o abandono do hábito de fumar ou, simplesmente, celebrar o momento, sem um motivo especialmente importante que não o de estar no meio de uma multidão de 10, 20 mil pessoas de diferentes idades, classes, religiões – como se isso, aliás, não fosse, por si, um motivo para celebrar. A São Silvestre é especialmente representativa do ato de celebração: paulistas, cariocas, nordestinos, caipiras, gays, roqueiros, são paulinos, corinthianos e quenianos, todo mundo junto numa vibração positiva por mais um ano que começa.

E nesse quesito os americanos são insuperáveis. Nova York, Chicago e...Boston, fazem de suas maratonas grandes celebrações. Mas eles também são insuperáveis quando se trata de juntar todo mundo na tragédia, meter a mão na massa e dar a volta por cima. No ano passado, quando o furacão Sandy provocou o cancelamento da maratona de Nova York, centenas de corredores nada resignados foram ao Central Park, local da chegada, e correram os 42 quilômetros correspondentes à distância da prova. De quebra, doaram agasalhos e alimentos às vítimas da tempestade. É essa força de reação que, tenho certeza, eles mostrarão agora. 

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