quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Meu 04 de julho (Parte III) - Devaneios

A reação imediata de qualquer corredor amador que, de repente, se veja pela primeira vez liderando uma corrida - mesmo que seja de quatro quilômetros, como no meu caso - deve ser a de olhar pra trás. Foi o que fiz. Na hora. Estava uns 50 metros na frente, pelos meus cálculos, do segundo colocado. A segunda reação deve ser uma pergunta: "Será que, com uma diferença dessas ele me alcança?". Acelerei. Acreditem, não parei nem pra fazer xixi; improvisei um, digamos, alívio imediato em movimento numa curva, quando o atleta que vinha logo atrás não me enxergava.

A parte mais curiosa dessa história talvez seja a de que, a partir do momento em que me dei conta de que poderia vencer, uma série de coisas me começou a passar pela cabeça. Nesses seis anos em que me dedico à nobre e exigente arte das corridas, tive de me desdobrar pra aguentar o tédio dos treinos mais longos. Um dos principais corolários entre os praticantes desse esporte é o de que corrida é 90% de cabeça e 10% de físico. Em Botucatu, treinando no acostamento de uma rodovia, me imaginava cruzando a reta final imitando o 'aviãozinho' do Vanderlei Cordeiro de Lima nas Olimpiadas de Atenas; ou segurando uma bandeira acima da cabeça com as duas mãos, como se fosse a capa do Super Homem, gesto de Franck Caldeira no Pan do Rio. Socos no ar, como os de Pelé, punhos cerrados, tapas no peito, como Cesar Ciello. A comemoração pelo primeiro lugar comportava um sem número de gestos; e a solidão dos treinamentos me impelira a esses devaneios.

Olhei pra traz e calculei que, a essa altura, minha distância pro segundo colocado aumentara para uns 100 metros. Mas logo à frente havia uma subida mais forte. Mil metros, mais ou menos, me separavam da linha de chegada. Como sabia que, nessas circunstâncias, a velocidade obrigatoriamente diminui, resolvi imprimir o ritmo mais forte que aguentasse. Essa estratégia comportava três desfechos: (1) abriria uma vantagem ainda maior que me garantiria a folga para cruzar a linha de chegada correndo de costas; (2) manteria a mesma distância na ladeira e teria de me virar na reta final pra sustentar a liderança contra um eventual ataque e (3 - mais provável) perderia o primeiro lugar até o final dessa reta e não teria gás pra atacar o oponente na reta de chegada.

Pra minha surpresa, a distância aumentou. Entrei na reta confiante, já ensaiando os gestos. Nada de fita pra ser rompida, nada de torcedores, nada de repórteres me assediando, como eu sempre imaginara; a chegada era, mesmo, numa lombada. Diego, o organizador, grita por um megafone: "E lá vem o primeiro lugar dos quatro quilômetros. É número sete". Mesmo sem pirotecnia e oba-oba, cerro os punhos e imito o aviãozinho. "Ganhei, p* Ganhei!!!!".

Descobri, logo depois, que a premiação se restringia a uma medalha - a mesma entregue a todos os que concluiram a prova. Mesmo assim, naquele dia voltei pra casa com uma alegria infantil de ter sido Vanderlei Cordeiro de Lima, Franck Caldeira e Cesar Cielo.

2 comentários:

Bianchini disse...

Caro Danilo, a premiação pode ter sido apenas uma medalha, mas a satisfação da vitória, essa ninguém tira de você. Me lembra a vez que numa espécie de olimpíada interna no trabalho este que vos escreve foi o campeão de bocha (pode fazer piada...). A medalha era (é) horrível, mas a satisfação... não tem preço!
Abraço!

Luciana Nunes disse...

Caro colega ecano! Parabéns pelo blog e pelo texto! Dei muitas risadas imaginando as caras que você fazia na situação! Deve ser muito emocionante vencer uma competição dessas ainda mais para mim que nunca ganhei nem Bingo! hehe Abraços!