terça-feira, 25 de setembro de 2007

Dia mundial sem carro - Segunda etapa (ou Missão Escritório)


Cumprida a primeira fase de meu 'test bike' (saindo da Rua Arthur de Azevedo com destino à USP), resolvo dar um passo (uma pedalada?) mais ambicioso: ir trabalhar de bike.

A idéia já vinha amadurecendo há bastante tempo em minha cabeça, confesso que mais por motivos de ordem prática - traduzindo: proibição de sair de carro em dia de rodízio - do que por outros mais nobres, como respeito ao meio ambiente (o principal motivo, imagino, para a criação do Dia Mundial Sem Carro) ou questões de ordem físico-desportivas.

Pra ficar mais claro, nos dias em que o rodízio me proíbe de andar de carro das 07h às 10h da manhã, tenho duas opções pra percorrer os sete quilômetros que me separam do meu trabalho: (1) me espremer num superlotado e sacolejante ônibus da linha Jd. Helga-Metrô Barra Funda - a capacidade de um ônibus urbano convencional é de 74 passageiros; no Jd Helga, pelas minhas contas, a ocupação deve ser de mais ou menos 130; e (2) insistir em ir de carro, tendo de acordar duas horas mais cedo - umas 04h30 - pra chegar no escritório, no bairro de Pinheiros, antes das 7h. Nessas circunstâncias, por que não tentar um transporte alternativo?

Confesso que, já na primeira vez em que pensei com um mínimo de seriedade nessa hipótese, cheguei rapidamente à conclusão de que exigiria uma logística tão complexa quanto a de se preparar uma equipe para participar do rally Paris-Dakar. Numa prova como essas, a organização - ou, no termo chique em inglês, o staff- tem de garantir que os pilotos terão um equipamento confiável, alimentação adequada e um mínimo de segurança, tanto contra acidentes, nos momentos em que estão acelerando no deserto, quanto contra roubos, durante a noite, quando param suas máquinas em algum vilarejo de nômades no Marrocos ou na Mauritânia.

A preparação pra o meu 'rally urbano', teria de incluir um bom planejamento do ponto de vista das ruas e avenidas a serem percorridas (de preferência as mais tranquilas); lanternas, na dianteira e na traseira da bike - pra ficar bem visível à noite, na volta -; mochila, pra asssegurar que meu 'kit-executivo' (o traje de trabalho: terno, camisa, gravata, sapato e cinto) chegue no escritório seco, limpo e desamassado e, finalmente, corrente e cadeado - a segurança de meu 'veículo' nos locais em que eu estacionar.

Uma vez atingido meu primeiro objetivo, o de chegar no escritório, começaria a segunda fase - que, claro, também teria de ser planejada. Essa etapa consistiria em trocar o visual de ciclista pelo de executivo e em eliminar qualquer comprometedor resíduo de suor resultante da aventura.

Tudo planejado na véspera, a terça-feira de manhã seria, finalmente, o dia de pôr o plano em ação. O, digamos, estacionamento de meu veículo, fica num canto bem escondido - e com forte cheiro de bolor - bem atrás da área destinada aos carros, no segundo subsolo do prédio. Trata-se de uma enorme barra enorme de ferro na qual há, soldados, ganchos nos quais as bikes ficam penduradas. Contrastando com minha, sem modéstia, moderna bicicleta, as demais são indícios do sedentarismo de meus vizinhos: modelos antigos, muita poeira cobrindo bancos e quadros, cadeados enferrujados prendendo as velhas correntes. Desengancho minha guerreira e saio pela calçada de uma movimentada avenida.

Descubro, mal saindo da garagem, que minha equipe de apoio - no caso, eu mesmo - falhou num detalhe crucial: a previsão meteorológica. Não me passou pela cabeça verificar pela Internet como estaria o clima. O dia está frio e nublado. Uma fina garôa que não combina nem um pouco com a imagem que as pessoas fazem dos passeios de bibicleta cai sobre a cidade, com pequenas pausas para rajadas de vento. Preparado que estou não desanimo. Sigo em frente.


A exemplo do que havia feito no sábado anterior, vou disputando o espaço com os pedestres na calçada para não correr o risco de ser atropelado pelos carros, na rua. Em menos de um quilômetro, alcanço a avenida Sumaré, com seu enorme canteiro central no qual as pessoas costumam fazer caminhadas e correr todos os dias e o dia todo. Nas laterais, na faixa mais à esquerda, há vias especiais para as motos seguirem em segurança, sem passar no meio dos carros, como ocorre nas outras avenidas. Alguns ciclistas se arriscam a disputar esse espaço com os motociclistas. Eu não. Fico, mais uma vez, na calçada.

Disputando espaço quase sempre com os pedestres e, menos frequentemente, com os carros, chego à entrada do prédio em que trabalho em 30 minutos. De carro, num dia normal de trânsito forte, a ida ao escritório tomaria 40 minutos, mais ou menos. No item 'tempo', portanto, a operação foi bem sucedida. Mas agora vem a parte mais difícil: entrar vestido de ciclista e encontrar um lugar para mudar de roupa. Tudo isso, de preferência sem ter de subir pelo elevador até o 17º andar, onde trabalho - isso provavelmente implicaria dar de cara com algum colega e consequentemente ser alvo de chacotas. (Posso estar enganado, mas não acredito que as pessoas compreenderão a maluquice de encarar o trânsito de SP a bordo de uma bike pra ir pro trabalho. Sendo assim, melhor evitar exposições públicas.)

Descubro, no fundo da garagem (sempre o fundo da garagem), um banheiro usado pelos funcionários. Um cúbiculo mofado, no fundo do qual se esconde um vaso sanitário fedorento e uma pia de louça branca, toda suja de graxa. Espremido, retiro o conteúdo da mochila-tudo incrivelmente seco e desamassado! -, me equilibrando num pedaço de papelão pra não sujar os pés no chão molhado. O terno, a camisa e a gravata ficam dentro da pia, protegidos precariamente por um saco plástico de supermercado antes usado para embalar os sapatos. Trocado, ponho de volta na mochila o 'kit ciclista'. Como o prédio não dispõe de um estacionamento específico, por mais simples que seja, acorrento minha bicicleta no corrimão de uma escada, num canto do primeiro subsolo.


Usando um terno preto, camisa branca e uma gravata azul, bem sóbria, saio do banheiro transformado. Outro homem. Entro no elevador cumprimento os colegas pensando, já, no momento da saída, às 18h, quando terei de encarar mais uma sessão de banheiro fedorento e trânsito pesado. Sem dúvida, São Paulo é uma cidade feita para carros, não para pedestres. Muito menos para bicicletas.

2 comentários:

Maysa εïз disse...

Acredito que agora vc não tenha apenas dois leitores e meio...

lulooker disse...

Olha, não é por nada não, mas deve ter sido muito engraçado você se trocando no banheirinho do subsolo, rsrs. Anyway, parabéns pela coragem!!! rs