segunda-feira, 24 de dezembro de 2007

No fim dá certo - Post de Natal, copiado descaradamente de Fernando Sabino

Três ponto um leitores deste mal-lido blog. Por falta de um lapso criativo que me inspirasse a escrever um texto alegre e bonitinho em homenagem ao natal, transcrevo aqui a crônica No Fim da Certo, do mestre Fernando Sabino. Afinal, se não deu certo é porque ainda não chegou ao fim. Mesmo que o ano tenha chegado ao fim. Hope you enjoy.

Ainda bem que já não se fala no malfadado livro A Lei de Murphy e Outros Motivos Por Que Tudo Dá Errado. É uma lei segundo a qual, por exemplo, seja qual for a fila em que você estiver, a outra andará mais rápido; todo arame cortado no tamanho indicado será curto demais; toda entrega de mercadoria que normalmente levaria um dia, levará cinco quando dependemos dela; todo telefonema importante vem no momento exato em (ou, pior, um minuto depois) que o interessado se sentou no vaso sanitário.

Quanto a esse exemplo escatológico da incidência da famigerada lei, no entanto, o telefone sem fio, podendo ser levado para o banheiro, representou uma forma segura de neutralizá-la.

De minha parte, poderia mencionar outras instâncias em que prevalece a Lei de Murphy, nos inconvenientes que somos forçados a enfrentar ao longo do dia - e principalmente da noite. Houve uma época em que eu acreditava seriamente haver o demônio designado um de seus menos categorizados capetas do inferno, verdadeiro fichina das maquinações diabólicas, para ficar aqui pela terra, mesmo incumbido da mesquinha missão de nos infernizar a vida em pequenos acidentes cotidianos: seria ele o inventor do famoso ferrinho de dentista. É quem nos faz pisar no cocô de cachorro, ser atingido por um perdigoto e ter de continuar a conversa como se nada houvesse acontecido, responder a um cumprimento dirigido a alguém atrás de nós, dar aquele ridículo pulinho no meio da rua ao ouvir uma buzinada nas costas, ou aquela patada no chão ao fim da escada pensando ainda haver um degrau, encontrar um fio de cabelo na sopa em jantar de cerimônia, despencar de cabeça no abismo das gafes imperdoáveis, enfim, expor-nos diariamente aos pequeninos tormentos diabólicos. Mas resolvi mandar o diabo ao diabo e desmoralizar seus enredos infernais.

Agora volta ele, encarnado nesse Murphy e sua lei abominável.

Pois me disponho a enfrentá-lo, lançando os fundamentos da Lei Anti Murphy, cujos corolários serão por mim oportunamente enunciados. Por ora me limito a colher inspiração em fonte mais judiciosa, qual seja a que emanava da sabedoria de meu pai, cujos oito baixos sempre respeitei. São os princípios otimistas da Lei de Seu Domingos que não me canso de enaltecer (como dizia meu pai, A Volta Por Cima), e que aqui enumero, devidamente resumidos:

1) As coisas são como são, e não como deveriam ser - e muito menos como gostaríamos que elas fossem.
2) O que não tem solução solucionado está - não adianta gastar boa vela com mau defunto.
3) Se quiser que alguma coisa mude, e não puder fazer nada, espere, que ela mudará por si.
4) Toda mudança é pra melhor: se mudou é porque não deu certo.
5) Mais vale passar por um apertinho agora do que por um apertão o resto da vida.
6) Antes de entrar, veja por onde vai sair.
7) Faça somente o que gosta. Para isso, passe a gostar do que faz.
8) Trate os outros como gostaria de ser tratado.
9) Não se deve aumentar a aflição dos aflitos.
10) A única forma de resolver um problema nosso é resolver primeiro o do outro.

Os dois últimos princípios decorrem daquela sábia observação de Carlos Drummond, no filme que fiz sobre ele, e que até parece inspirada por meu pai: não exigir das pessoas mais do que elas podem dar. Eu acrescentaria o que resolvi assumir a partir de hoje: todo mundo tem seu lado bom, ainda que pequenino; descobrir o de cada um com quem temos de conviver, e não sair dele.

Seu Domingos jamais se dexaria levar por esse Murphysmo nefando que se tenta impor em nossos dias. Sem saber, enunciava a fórmula capaz de exterminá-lo, quando dizia, de maneira categórica, ensinando-me a ter paciência:

- Meu filho, tudo nesse mundo no fim da certo. Se não deu, é porque ainda não chegou ao fim.

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