domingo, 9 de dezembro de 2007

Samba, suor e autenticidade

Meus dois ponto três leitores. Os poucos de vocês que me conhecem sabem que, em termos de música, não sou lá dado a muitas concessões. Como a maioria dos adolescentes da minha geração - e de outras tantas -, passei por uma fase de paixão pelo rock'n roll e, feliz ou infelizmente, lá fiquei. Meu gosto musical, claro, evoluiu um pouco desde então, mas não foi muito além de algumas curtas incursões pelo jazz, o samba e a MPB - curtas, bem curtas. Pra não alongar demais a história, meu espectro não vai muito além de Beatles, U2, algumas bandas pop (não muito pop, tenho ojeriza de movimentos mais moderninhos, como o tal do Indie), João Bosco e Paulinho da Viola. Fato é que, goste ou não de samba, todo morador da 'capitar' que tenha um mínimo de interesse pelo que se pode chamar de cultura brasileira deveria, um dia, dar uma passada por um botecão chamado Você Vai Se Quiser, na Praça Roosevelt, centrão de Sampa.

Diferentemente dos charmosos, mas assépticos botecos da Vila Madalena, o Você Vai Se Quiser respira samba, suor e autenticidade.

Chegar ali não é pra qualquer um; o cidadão tem de ser iniciado pra encontrar esse gueto (literalmente) do samba. Fica no final de uma ruazinha estreita e sem saída, travessa da zoneada Rua Augusta. Os que ousarem entrar ali, numa tarde de sábado - quando são realizadas as rodas - não reconhecerão, de cara, que estão no caminho certo. É preciso andar uns 200 metros na ruela, em meio a mendigos e prédios em estado terminal de conservação pra chegar à casa.

O aventureiro que tenha conseguido chegar ao "Você Vai.." encontrará, alí, uma decoração das mais simples: piso de cimento queimado, iluminação clara, nem um pouco aconchegante, forro em gesso com desenhos geométricos, de extremo mau gosto e banheiros que nos horários de pico (por volta das 20h, quando a casa costuma receber sua lotação máxima, de 300 pessoas) se transformam em mórbidas sucursais do Rio Tietê - o mictório masculino é, na verdade, uma floreira em concreto. Nas paredes, há dezenas de fotos, quase todas em preto e branco, dos para os leigos, desconhecidos sambistas que por ali passam todo final de semana.

Essas características de simplicidade na decoração e no acabamento, direferentemente do que se poderia imaginar, dão ao "Você Vai...", um charme dificil de se copiar nos barzinhos da moda. Mas, à parte as discussões estético-arquitetônicas, o que chama mesmo a atenção são os já mencionados desconhecidos para os leigos sambistas que passam pela casa nas tardes de sábado. Mesmo aqueles que têm, no pé e no DNA, tanto samba quanto um turista dinamarquês - caso deste escriba - podem, ali, ter contato com o que, acredito, seja o verdadeiro samba de raiz, sem cordão de ouro no pescoço, sem gel nos cabelos e sem teclado nos arranjos. Passeiam ali, sozinhos, pelos sucessos de Cartola, Jamelão, Adoniran e outros tantos não-sei-quens do samba paulistano, o tamborim, o cavaquinho e o violão.

O ambiente, pra usar um clichê dos mais batidos, é democratico. Misturam-se patricinhas bem arrumadas, de saltos altíssimos e brincos enormes, garotões que, imagino, freqüentem cursos caros da FAAP, tiozinhos de cinqüenta, sessenta anos (encostados, no balcão, entre um copo americano e outro de cerveja - geladíssima, por sinal), manos equipados com óculos escuros espelhados, tatuagens enormes e tênis Nike do último modelo e divas do samba - negonas acima do peso e em roupas coloridíssimas, combinando com o batom vermelho nas bocas enormes.

E, por estranha que seja, essa mistura cultural funciona muito bem. Diferenças à parte, o importante é celebrar o samba.

Um comentário:

Anônimo disse...

Tava procurando alguma coisa sobre o "sambão da Roosevelt" e caí aqui... vc definiu bem o lugar - e pra mim é o lugar mais divertido de São Paulo no sábado a tarde...