quarta-feira, 15 de agosto de 2007

Terra de poliglotas

Criado em 1993 num predio que, imagino, tenha sido um casarao de meados do seculo 20 no bairro de classe media alta de Green Point, o Cape Comunication Center (CCC) abriga algumas dezenas de alunos - teenagers, em sua grande maioria - que diariamente tem aulas de ingles em suas 30 salas. Gente de todos os canto do mundo: turcos, sauditas, italianos, espanhois, coreanos, franceses, russos, angolanos e, claro, brasileiros.

Quando estao entre seus pares (gente da mesma origem), em geral adotam a lingua nativa. Os italianos, por exemplo, sao facilmente identificaveis: falam alto, gesticulam, riem. Cazzo, caspita, vaffanculo. Pensam em mulheres o tempo todo. Falam a respeito de mulheres o tempo todo. Bebem vinho e cerveja com o mesmo impeto com que devoram pratos de macarrao, lasanha e outros itens do cardapio menos associaveis a seu estereotipo, como hamburger e todos os tipos de carnes. Tem, em geral, um comportamento parecidos com o de nos, brasileiros. Os franceses, mais reservados, dificilmente interagem com outras tribos. Circulam pela escola em grupos de tres ou quatro conversando em tom de voz bem comedido.

Ja os coreanos sao um caso a parte. Vem, normalmente, pra ficar alguns meses - as vezes, mais de um ano. Mesmo depois dos 25 anos se comportam como adolescentes: bebem, fumam, ouvem rap de gangsters americanos, abusam do visual e das atitudes rebeldes. Passam por uma especie de estagio de ocidentalizacao. Sao, digamos, personagens de uma versao orientalizada de filmes como Porky's e Curtindo a Vida Adoidado, que imortalizaram o comportamento dos teenagers e universitarios americanos (e que, convenhamos, se repete entre os adolescentes pelo mundo afora).

Quando essas tribos sao obrigadas a interagir - ou quando sao obrigadas a se comunicar com as pecas isoladas desse quebra cabeca cultural, como este escriba, nas aulas, por exemplo - apelam invariavelmente para o ingles. E o ingles nesse caso, acaba se tornando uma especie de impressao-digital linguistica

Os italianos carregam na pronuncia dos 'eles'. Quando querem se referir a pessoas ('people'), pronunciam, por exemplo, o que, transformado em texto, seria 'pipoelll' - o ele sai carregado, bem parecido com a nossa pronuncia. Muito diferente da pronuncia dos americanos, algo mais proximo de 'pipou'.

Ja os alemaes possuem um ingles bastante inteligivel. O ritmo com que pronunciam as palavras, entretanto, tem muito do jeito, digamos assim, quadrado com que falam e das palavras 'secas' e cheias de consoantes de sua lingua. O ritmo e cortado e as vezes salpicados de palavras longas do alemao.

Os espanhois, por sua vez, falam um ingles acelerado, aparentemente consequencia da forma agil como se comunicam. Tem dificuldade de pronunciar o erre e o 've'. Cases, por exemplo, (casos), pronunciado pelos espanhois - ou pelos que conheci, pelo menos, sai caisses. O 'a' sai bem aberto, semelhante ao nosso 'a' e o esse, que, nesse caso, teria som de ve (em ingles americano, a pronuncia seria algo como queizes). Nunca assisti uma entrevista do piloto Fernando Alonso ou do tenista Rafael Nadal em ingles (lingua em que certamente sao obrigado a conversar com os jornalistas), mas imagino que nao seja dificil identificar essas caracteristicas em sua fala.

Mas o caso mais interessante - pelo menos dos que pude acompanhar - e o dos coreanos. Tome-se como exemplo o de meu roomate (colega de quarto), Kim Bae Son. Nosso nivel de interacao, na primeira semana de convivencia, se limitava a dois 'Hey', um de manha, quando eu e ele tinhamos de acordar pra ir pra aula e outro a noite, quando, em geral, ele chegava mais tarde e acendia as luzes do quarto, obrigando-me a virar para o lado oposto a direcao na qual ele vinha e a pronunciar um pouco mais que um rosnado - algo que, na cabeca dele, em coreano, deveria soar como 'Boa noite, amigo'. Qualquer tentativa de comunicacao que proporcionasse um pouco mais de informacao a respeito dele pra mim - e a meu respeito pra ele - sempre emperrou em alguma palavra que na boca dele me parecia impronunciavel.

Mas, depois de uma semana, com a ajuda de um caderninho, no qual anotava seu, digamos assim, vocabulario, e de muita mimica, conseguimos chegar num nivel de interacao que, numa escala de zero a dez, equivalia a mais ou menos quatro. 'Mopurendo', por exemplo, significava 'My friend' (meu amigo). 'Dipurer' equivalia a 'diferent'. E 'cerupono' equivalia a 'cell phone' (o celular dele), que, no primeiro dia aqui, tocou as cinco e meia da manha, transformando minha primeira aula de ingles no exterior numa luta ingloria contra o sono.

Bae vai, daqui a dois dias, pra passar uma temporada em Durban (outra cidade litoranea aqui da AS). se as coisas nao mudarem, devera ser substituido por outro coreano. Vem ai, mais uma temporada de mimica e caderninho de anotacoes.

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