sábado, 25 de agosto de 2007

Uma historia africana - mas bem brasileira

A história do angolano João Assaca, 48 anos, se parece com a de muitos joões brasileiros. Assim como os outros, ele foi obrigado deixar a região onde vivia para tentar a vida em outro canto. Foi parar na periferia de uma grande cidade, onde luta para, com um salário de cerca de R$ 600 por mês, sustentar a mulher e os oito filhos.

João veio para a África do Sul há nove anos, refugiado da guerra civil angolana - uma guerra que durou 26 anos, afetou 4 milhões de pessoas e só terminou em 2002. Em seu país, abandonou o posto de policial militar. Fugiu como desertor. "Pegar em armas para matar gente do meu próprio país? Me recusei." Nessas circunstancias, se voltar para Angola, Joao sera preso.

Para entrar na Africa do Sul, atravessou o rio Orange, o maior da África do Sul, na fronteira com a Namíbia numa canoa, levando quatro dos oito filhos. Os outros ficaram com a mulher, em Angola. Vieram depois.

Filho de mãe congolesa e pai angolano, João viveu no Congo até os 21 anos. Depois, mudou-se para Angola, de onde fugiu definitivamente aos 39. "Passei minha infância no Congo e a idade adulta em Angola. Agora, estou começando minha velhice aqui na África do Sul."

Da infância no Congo, herdou o domínio do francês. Fala, também português - Angola é um dos 10 países que tem o português como língua oficial - e inglês.

Desde que se mudou para o país, João já trabalhou em diversos locais, sempre como segurança. Atualmente, é vigia da Universidade de Stellenbosch, uma cidade conhecida na Africa do Sul por produzir bons vinhos e por possuir elevado padrão de vida.

Com os cerca de US$ 300 que recebe por mês, comprou um barraco em Guguletu, uma township - townships são a versão sul africana das nossas favelas - na periferia da Cidade do Cabo. Para ir para o trabalho, se espreme diariamente com outras centenas de trabalhadores num dos trens metropolitanos que percorrem, a cada mais ou menos uma hora, os 50 quilômetros entre Stellenbosch e a Cidade do Cabo - como os trens são lentos, o percurso é realizado em cerca de uma hora."Às vezes, quando o dinheiro está curto, tomo só um trem na volta e faco o restante do percurso a pé."

Em Guguletu, João convive com outros milhares de refugiados. Gente vinda, como ele, de Angola, e de outros países africanos que vivem à beira do colapso, governados por ditadores ou sob permanente estado de guerra civil - apenas o caótico vizinho Zimbabue, que vive sob uma inflação de cerca de 900% ao mês, já 'exportou' para a Africa do Sul cerca de 3 milhões de pessoas, segundo a ONU. João reclama de que, assim como os outros, sofre preconceito dos sul africanos, na township. "Embora sejamos todos negros, eles reconhecem as pessoas vindas de outro pais".

Foi justamente num trem, numa tarde ensolarada de sábado, que conheci seu João, enquanto voltava de minha visita a Stellenbosch.

Durante os cerca de quarenta minutos em que conversamos, ele me contou detalhes de seu passado e de seu presente. Numa estacao proxima a Cape Town, se despediu. Se encontraria com a filha mais velha, que trabalha numa loja para, juntos, voltarem para casa. Abriu um enorme sorriso quando falou da possibilidade de a filha entrar na faculdade. Assim como muitos dos joões brasileiros, o João angolano insiste em acreditar na vida.

4 comentários:

Anônimo disse...

Cheguei ao seu blog por acaso mas não é por acaso que sempre volto a visitar a procura de mais novidades.
Você está em um lugar que está em meus planos conhecer e o modo como você descreve o país (e não só os famosos safaris e paisagens) me deixam ainda mais curiosa.

Blog do Toffolli disse...

Uma história africana, bem brasileira, porque, no fundo, ainda que tentem somente privilegiar as diferenças entre Brasil e o restante dos colonizados, somos parte de uma mesma massa, explorada durante séculos pelos mesmos interesses e, como pessoas, comungamos dos mesmos sonhos de realização pessoal, seja aí na África, ou aqui em São Paulo. Acordamos todos os dias na esperança de não mais sermos apenas vistos como os estrangeiros nos locais em que adotamos para viver e ajudamos a construir diriamente. O sonho de ser reconhecido e valorizado como cidadão contraria a dura pragmática da estigmatização, a de ser O estrangeiro, sempre.

Unknown disse...

Quais são as diferenças reais dos países de terceiro mundo? Ou, como disse uma socialite fabricada, segundo em ascensão?
Só sonhos...

Unknown disse...

Angola é um lugar que em certos aspectos é um país com maior absorção de cultura brasileira do que muitos imaginam. Menciono como exemplo as telenovelas brasileiras, que são objetos de consumo pelo povo angolano. Quero mencionar que a mais recente aquisição de Angola é o convite à Oscar Niemeyer para o planejamento arquitetônico da nova capital do país.