domingo, 6 de janeiro de 2008

São Silvestre - Parte III

Cumprido o trecho do elevado Costa e Silva, desço pelas quebradas da rua Tagipurú, alameda Olga e rua Margarida pra, finalmente, ganhar a primeira subida de verdade, o viaduto Pacaembú. Antes, porém, uma estratégica e escatológica pausa pra um xixi. Na falta de um banheiro de verdade, paro por alguns minuto num canto da calçada e me alivio num copinho de água já vazio. Mais leve, venço a inclinação do viaduto sem dificuldade.

A subida da Rudge (na verdade, viaduto Orlando Murgel), como me adiantara o Edgard, é talvez, o maior desafio da prova. É mais curta, mas fica justamente no quilômetro 10. Quem superá-la terá, ainda, pela frente, um terço da prova -incluída, aí, a própria Brigadeiro. Enfim, mais pressão psicológica. Reduzo o passo à velocidade mínima. Na calçada ao lado direito, uma corredora passa mal. Entro no tedioso retão da Rio Branco. Hora de acionar o aparelhinho de MP3. Um som do U2 (Bad) me ajuda a manter a concentração. Sigo num transe, acompanhando o ritmo dos demais corredores. Subitamente, volto à realidade quando sou ultrapassado por um rapaz magrelo carregando um daqueles bonecões de Olinda. Em seguida, passa por mim um senhor de uns 40 anos usando uma enorme peruca amarela encaracolada. Nariz de palhaço e umas mãos postiças de isopor, ele acena para o público. Depois da Rio Branco vêm o largo do Paissandú, o Teatro Municipal, viaduto do Chá, rua Líbero Badaró e o largo de São Francisco. Trechos protocolares. O que importa, agora, é a subida da Brigadeiro.

Para quem vem do Largo de São Francisco, a visão que se tem da Brigadeiro e de doer - as coxas, as panturrilhas, tudo. O que se vê dali é subida, até onde a vista alcança. O MP3, aparentemente entendendo meu drama, muda de faixa e seleciona, aleatóriamente, o grupo Bad Religion. Uma verdadeira porrada sonora. Ganho algum ânimo pra enfrentar o calvário que vem pela frente. No início da subida, paro para pegar um copinho de água no último posto de hidratação. Que burrada! Depois de uma hora e meia realizando sem parar o mesmo movimento, as pernas não querem parar nem por decreto. Mas, depois que páram, páram de vez. Convencer as coitadas a voltar a correr, depois disso, é quase como tentar convencer um cidadão a passar férias no Iraque. Mas, aos poucos, consigo retormar o ritmo.

Entre os milhares de guerreiros que, sem forças para continuar correndo, se entregam, dignamente a uma derradeira caminhada, me sinto um alien correndo. Mas sigo. Não andar ali é questão de honra! À minha direita, me ultrapassa um senhor de uns cinquenta anos carregando, sabe-se lá por que, uma réplica enorme de um ônibus, de mais ou menos um metro de comprimento. "Meta pra 2008: não ser ultrapassado por nenhum desses tipos", prometo pra mim mesmo.

Chego, finalmente, aos dois quarteirões finais da Brigadeiro. E, pra não passar em branco tão célebre momento, o MP3 me escolhe por acaso - por acaso!!! - The Eye Of The Tiger, a trilha sonora do filme Rocky, o Lutador. Cruzar a linha de chegada ouvindo aquilo! Se houvesse um prêmio "Melhor clichê da São Silvestre" eu venceria. Aliás, ficaria em segundo lugar, pois certamente algum imbecil subiu ouvindo We are the Champions, do Queen.

Entro na Paulista eufórico. Imagens de todos aqueles heróis cruzando a linha de chegada me vêem à cabeça. Como num daqueles filmes piegas da sessão da tarde, bato no peito, orgulhoso, e me esforço para segurar as lágrimas. Passo pela a linha de chegada, pulo a grade que separa os corredores do público e vou direto comprar uma latinha de Skol num daqueles vendedores ambulantes. Que venha 2008!

9 comentários:

Fernando Cesarotti disse...

Belo relato, meu caro. Estou entre os "primos rechonchudos" e vou tentar começar minha preparação em breve.

Ah, a resposta à sua pergunta esta lá no blog, junto com o segundo capítulo da saga.

lulooker disse...

Gostei do seu relato! Deus pra sentir um pouquinho na pele as dores e a delícias de ser uma novato São Silvestrino. Deu tanto que sinto-me desobrigada a participar, afinal já sei como é, rsrs. Só uma coisinha: "senhor" de 40 anos ficou um pouco pesado, não acha, não? rsrsrs

Anônimo disse...

Caro DV. Muito legal sua narração sob sua ótica a respeito da São Silvestre. O jeito simples e maneiro de relatar os fatos convida o leitor ir até o final. Parabéns pela iniciativa e votos que em 2008 a experiência lhe traga resultados satisfatórios e gratificantes.
Virgílio

Anônimo disse...

Belo relato, Alien. A primeira São Silvestre (assim como a segunda, a terceira, a quarta ...) marca e faz o Reveillon em São Paulo ter um valor especial. Único para quem corre. Festa antecipada que troca os fogos da meia noite por palmas ao longo dos 15 quilômetros. Para quem corre, o ano começa seis horas mais cedo. Privilégio de poucos.
Abs
Edgard

Anônimo disse...

Parabéns Danilo,

Gostei do site e você escreve bem (pena que escondeu isso).

Sucesso com o site, estou incluíno nos meus favoritos.

Um abração,

Troster

Anônimo disse...

Caro amigo,

Sua narrativa é prazerosa ! Fiquei até com vontade de correr. Mas cansei-me só de pensar.
Você tem um estilo muito "leve" de escrita. Invista nesse talento.
Abraços,
Maurício

Anônimo disse...

Caro Danilo, admito que cansa só de olhar a subida da Brigadeiro... mas você conseguiu! Parabéns pelo feito!

Danilo Vivan disse...

Um texto que eu suei - literalmente - pra escrever.
Valeu pelos comentários, gente. Desse jeito, já dá até pra parar de pedir prá minha mãe ler o blog. Nem preciso mais dos elogios dela.

DV

Ale disse...

Ainda bem que vc fez xixi no copinho... já pensou se faz de cima do minhocão? os pedestres agradecem!!!! hehehehe