sábado, 5 de janeiro de 2008

São Silvestre - Parte II

Histórias, personagens e significados me vinham à cabeça quando soou, alta e solene, a sirene anunciando o início da São Silvestre. Pessoas famosas, pessoas anônimas, 20 mil pessoas. A multidão aplaude, grita, vibra, mas não consegue dar um passo sequer. É impossível, imagino eu, pôr tanta gente em movimento exatamente ao mesmo tempo. Ficamos ali, eu e um velho amigo, o Edgard, parados por dez minutos, mais ou menos, em meio àquela multidão. "Bem vindo à São Silvestre", debocha o Edgard, um veterano das corridas.

Aos poucos, o congestionamento vai se desfazendo e começamos uma caminhada. Na mesma cadência, viramos a esquina da Paulista com a Avenida Consolação onde o trânsito começa, finalmente, a fluir. Edgard se despede, aciona suas turbinas invisíveis, e some no meio da multidão.

A avenida Consolação, com o perdão do trocadilho, deveria ser chamada de Tentação. É uma tentação pros marinheiros de primeira viagem da São Silvestre. Espaçosa - as duas pistas são liberadas para os corredores, o que facilita o fluxo - e bem pavimentada, a Consolação é uma enorme descida que se estende até a Praça Roosevelt, onde se junta com a Ipiranga. Os novatos descem a 'milhão', torrando, desta maneira, a energia que deveria ser poupada pra depois, nas intermináveis subidas da Avenida Rudge e da Brigadeiro. Seguindo o conselho de gente mais experiente, me contenho. Desço num ritmo cadenciado, de 8 quilômetros por hora, mais ou menos.

Sigo pela pequena reta da Avenida Ipiranga aumentando um pouco a velocidade (pelos meus cálculos, uns 9 quilômetros por hora). Sou ultrapassado por um sujeito fantasiado de Chapolin Colorado - o cara, metido naquela fantasia ridícula, aparentemente sofre com o calor.

Mais uns metros na Ipiranga e contorno a caetânica esquina com a São João, que, por sua vez, leva ao elevado Costa e Silva, o Minhocão. Nas calçadas da São João, reconheço um grupo de africanos (nigerianos, provavalemente) que há tempos se hospeda nos hotéis meia-boca-do-lixo da região - e cuja forma de ganhar a vida é uma incógnita. Tento adivinhar, por um instante, se vibraram ou não com a passagem dos quenianos.

Elevado Costa e Silva. Em meus planejamentos, o trecho do Minhocão seria uma barbada. Nos metros finais desse mastodonte de concreto horroso que o ex-governador Maluf plantou em São Paulo fica o largo Padre Péricles, onde moro. Fechado aos domingos, me serviu em diversas ocasiões de campo de treinamento prás corridas. Triste engano. Pra resumir numa palavra, a sensação é de frustração. A impressão de que, por mais que se tenha corrido, o que se cumpriu foi apenas um terço da prova é um baque psicológico. Mesmo assim, sobrevivo. No trecho mais próximo de casa, procuro adivinhar, na multidão que acompanha a corrida, algum rosto conhecido. Meu feito teria, afinal, de ser testemunhado por algum vizinho. "Caramba, nem o lerdo do zelador apareceu?" Paciência. Não há tempo pra exibicionismo.

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